Karina Limeira Brandão, mais conhecida como anaenne:
Essa postagem tem esse título porque quando comentei com a árabe invejosa que finalmente tinha assistido Tropa de Elite II e que iria fazer post sobre o filme, ela, invejosa como sempre, debochou e disse que o título deveria ser "Em tempo" porque o assunto já estava velho. Como graças aos céus me livrei dessa algema jornalística de que existe um tempo quente para falar de assuntos quentes, cá estou eu, a despeito da maledicência da árabe invejosa e outras que tais.

Pois bem, vi o filme. Gostei bastante. Mas fiquei com uma pulga: terá sido um roteiro previamente pensado, antes de rodar os dois? Ou terá sido uma reação na base do mea culpa à saraivada de críticas que o primeiro tomou?

Eu, que meti o pau no primeiro (poucos filmes me irritaram tanto), teria que dar a mão à palmatória
se o roteiro dos dois foi previamente pensado. Porque o segundo rearruma de maneira fabulosa a razão de ser do primeiro. Pois a la Clint Eastwood em Gran Torino (poucos filmes me emocionaram tanto), o xerifão Nascimento percebe que sua truculência não resolve porra nenhuma, que o buraco é bem mais embaixo, que num vai ser fácil lutar contra o que está entranhado neste mundo perverso, e que armas, caveirão, ser durão e esses lugares comuns do masculino, dos aparelhos repressivos e dos xerifes do cinema não conseguem dar conta da complexidade da vida real. E aí o sujeito repensa, muda de lado, finalmente vê. Vi muitas semelhanças entre as caídas em si do personagem de Clint em Gran Torino e o de Wagner Moura (aliás, que atores formidáveis!) em Tropa II. Pasmos e convencidos, eles percebem que terão que sacrificar seus ideais e suas antigas práticas se de fato quiserem ajudar a mudar o estado das coisas.

Caso tenhamos no roteiro de Tropa II não a execução de um roteiro original, mas uma mudança de rumos a partir das críticas, teríamos aí uma conversão não só dos personagens, mas também dos roteiristas? Pergunto: será esse o sentido da cena em que o capitão Nascimento é aplaudido dentro do restaurante pelos frequentadores após ter sido responsável/responsabilizado pelo massacre dos presos? Porque na imagem difusa, meio que apagada, mas perceptível, quem aparece aplaudindo é Rodrigo Pimentel, ex-policial do Bope e um dos roteiristas, de certa forma inspiração para o personagem de Nascimento. Há um forte contraste entre a imagem difusa de Rodrigo e a explícita referência a Marcelo Freixo, inspiração para o personagem Fraga, que aparece assistindo, na platéia, de forma bem nítida, a palestra dada por Fraga no início do filme. Será aquela imagem difusa de Rodrigo Pimentel uma ponte para entendermos que também ele, assim como Padilha, repensou suas visões de mundo? Caso sim, temos aí um sensacional case de como a resposta, as mediações e apropriações do público interferem na produção do enunciado. Mas confesso que tenho algumas dúvidas, principalmente quando penso no próprio Rodrigo Pimentel pós produção de Tropa II, recorrentemente sendo convocado pelas emissoras televisivas, em especial a Globo, para comentar as intervenções de segurança no Rio de Janeiro e as UPPs. Esse Rodrigo num fala como o Nascimento II, mas como o I. Fiquei bem confusa.

Bem, esses são meus comentários a posteriori ao lançamento e à onda em torno do filme. Achei que ainda estava, de fato, em tempo. Árabe invejosa num acha. Coitadinha, nunca vai poder escrever, por exemplo, sobre "As mil e uma noites"... ;-p
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4 Responses
  1. Lu Ribeiro Says:

    ainda num vi e nem tô a fim, tô meio cansada de filme q tem 'violência pra mostrar a realidade' e se o Bomba viu e achou bom´temos 94,5% de chances d'eu me irritar...rs... mas, na verdade, meu comentário é pra dizer que concordo plenamente com a tal 'liberdade das amarras jornalísticas' e tá aí meu blog q não me deixa mentir, sempre repleto de post sobre filmes e livros q todo mundo já tá cansado de saber... E daí? Se eu fiquei sabendo agora é novidade e dale 'em tempo'... chega de escravidão né Colega esse lance de correr pra salvar o jornal em zip pq TEM q mandar pra gráfica é coisa do passado... Sendo dona do blog podemos, emfim, dominar o tempo.bjão


  2. blog é abolição, né, colega? disse tudo!


  3. Queridona,

    Gostaria de ter mais tempo para pensar antes de escrever, mas tenho medo de esquecer de postar um agradecimento à esta postagem.
    Encontro aqui mais uma importante oportunidade para a reflexão.
    Na minha percepção, depois de diversas leituras e debates sobre o tema de segurança pública e direitos humanos, me inclino a dizer que o Tropa 2 é resposta à reação do público sim. E aí incluo o próprio Freixo, que apresenta como duro crítico ao primeiro filme. Eu acompanhava de perto debates com o André Batista, Rodrigo Pimentel e Luiz Eduardo Soares antes do lançamento do primeiro filme. É evidente que nos causa um grande desconforto, apresentando muitos conflitos que nos cercam e exaltando um grupamento especial, mas eu o considero um filme importante. Analisar o conjunto dessas duas obras e incluir o Gran Torino (que assisti há poucos dias) foi uma sacada de muito bom gosto.
    Compartilho da sua avaliação.
    Li o Elite da Tropa (1), Cabeça de Porco, Falcão - Meninos do Tráfico, Falcão - Mulheres e o tráfico e outros livros da mesma linha. Essas leituras me ajudaram a me preparar para esse tema. Considero fundamental incluir o debate sobre a legalização das drogas nesse contexto.
    Se eu tivesse que escolher um tema para TCC agora (terceiro período), eu não fugiria do desafio de encampar esses temas como uma tarefa de resistência frente às sucessivas afrontas que a mídia comercial promove.

    É um grande prazer poder interagir com pessoas como você. Sério mesmo.

    bjs


  4. wil, gostei imensamente do seu coment. Acho q vc está cada vez mais ampliando e amadurecendo suas formas de ver o mundo, isso é muito bacana de acompanhar. AS leituras q vc citou são fundamentais. E acho muito bacana q vc pense, no seu TCC, em se voltar para essas importantes questões sociais. Tb é um prazer ter alunos como vc, dispostos a trocar e aprender junto. bjos grandes, comente sempre q quiser!