Karina Limeira Brandão, mais conhecida como anaenne:
Bem, faz tempo que não escrevo sobre os livros que ando lendo por aqui. Mas recessos e férias são tempos de leituras não acadêmicas. Nesse fim de dezembro de 2013 e janeiro de 2014 tô lendo algumas coisas bem interessantes, outras menos um pouco. Vou partilhando minhas impressões.

Li "Adeus, China. O último bailarino de Mao", de Li Cunxin (SP, Editora Fundamento, 2008). Tem filme também, mas esse ainda não vi. Achei o livro bem interessante, embora, obviamente, super anti-comunista e americanófilo, incluindo elogios pro casal Bush, George e Barbara, que dão um nojinho bonito. Mas, no geral, achei bem escrito e a trajetória do personagem principal é bem interessante, em todos seus aspectos humanos, culturais e, vá lá, políticos. Antropologicamente, bom pra conhecer um pouco mais da fascinante lógica da polissêmica e difusa cultura chinesa. Destaque pra nos lembrar como a nossa relação com os odores é construída culturalmente. Citando a parte em que Li Cunxin volta à China e a sua vila natal depois de anos exilado: "Enquanto percorríamos a estrada poeirenta rumo à vila, pude sentir o cheiro característico do campo, que me era tão familiar: fezes humanas, ainda usadas como fertilizante. As memórias da infância voltaram imediatamente. Como eu gostava daquele cheiro! Assim, eu tinha certeza de estar em casa" (p. 376). Me lembrou o velho cheiro de vinhoto, que subia da cana colhida em Conceição de Macabu, que deixava enlouquecidos os visitantes, que não o suportavam, e que afetivamente amávamos, eu e meus companheiros de infância, por nos lembrar exatamente esse tempo feliz.


Outra leitura dessas férias foi o badalado "Fim", de Fernanda Torres, seu romance de estréia (SP, Companhia das Letras, 2013). Como já disse em post no FB, achei assim, assim. Me lembrou a pegada de "Leite Derramado", de Chico Buarque, que também achei assim, assim.
 O querido companheiro de FB Leonardo Nascimento me deu uma boa definição: faltou algo orgânico. Sim, acho que é isso, em parte, falta vida, falta mergulho, falta densidade. Mas também, fiquei pensando depois, em um longo engarrafamento, falta empatia (mesmo problema que senti com "Leite derramado"). Acho os personagens uns manés. Babacas. Não me sensibilizam por nenhum aspecto. Não torço por eles, nem a favor nem contra. Não me comovo. Não me envolvo. Acho um bando de chato. Sou indiferente a eles. É o tal do orgânico de que falou o Leonardo, ficou devendo mesmo.

E agora terminei "Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra", do Mia Couto (São Paulo, Companhia das Letras, 2003), presente da querida Marilena, amiga de minha mãe, e um dos preferidos da minha amiga Maricota. Olha, é bonito pra caramba. Tem frases inesquecíveis. Meu amigo Marildo vai amar muito, tô doida pra emprestar pra ele (nós temos uma troca maravilhosa de livros, amo!). Mas num é um autor que fala comigo, incrível. Não me sensibiliza. É bonito, bem escrito e criativo pra caramba. Fundamental pra pensar sociedades pós-coloniais, tô dizendo, Marildo vai fazer a festa.Mas comigo não rola.
E tô feliz porque vou começar a ler "As confissões de Feliz Krull", de Thomas Mann. Porque esse aí, caramba, como fala comigo, amo plenamente. Tal do gosto, né? Cada um constrói suas afinidades eletivas, sabe-se lá o porquê. Mas para não ser injusta, duas frases belíssimas do livro do Mia Couto, para honrá-lo nesse post:

"Minha tia é mulher de mistério, com mal-contadas passagens no viver. Ela estivera fora, antes do meu nascimento. Não fora muita a distância mas era o além-margem, o outro lado do rio. E isso bastava para que nada soubéssemos dela. Que país é este que a pessoa se retira um meio-passo e já está no outro lado do mundo?" (p. 146).
"Como é que você encontrou este lugar? Mas ela negou. Os lugares não se encontram, constroem-se." (p.189).